Há tempos penso em escrever sobre isso, e hoje tive o insight que faltava. Dedico boa parte do
meu tempo livre para escrever. Sempre tive o apreço pelas letras, tanto as que
vejo como as que despejo. Devo isso aos livros, sempre companheiros em uma
estrada infiel. Li, leio e lerei muito ainda, isso é certo, e procuro sempre
que possível incentivar isso nos pequenos. A noite em que minha afilhada deitou
ao meu lado na cama para decifrarmos juntas –ao som de Neil Young, que ela
adorou!- um livreto primário, me senti mais gente, mas humana, mas cumpridora
do meu dever como ser social. No entanto, quando ela me convidou, na manhã
seguinte, para assistir desenho animado, eu fui. E dei muita risada. Faz parte
da construção da mente infantil a presença do lúdico. É saudável, desde que na
medida certa. Luyza, com oito anos, se interessa por boa música, leitura e
desenho animado. Com os adultos não é diferente, ou pelo menos não deveria ser. Nossa arrogância e
hipocrisia nos leva a um desvio grave nesse caminho. Ao invés de perdermos tempo com
o que realmente gostamos, passamos a nos esconder atrás da cortina defumaça do
politicamente correto. Trabalhamos, estudamos, temos um sem-fim de responsabilidades,
nos mantemos atentos, pagamos as contas, vamos ao supermercado, levamos os
filhos à escola, cozemos, lavamos, corremos, dirigimos, choramos, argumentamos,
pechinchamos. Pelo menos uma das ações acima você, que lê agora, desempenhou no
dia de hoje. Muitos de nós cumprimos o setlist
completo. Chegamos ao cerne da questão: depois de um ciclo de tantos
pormenores, depois de nos arremessarmos para o interior de uma vida repleta de
elementos bizarros e desencontrados, não teremos o direito de desopilar? Não
deveríamos fazer o que temos vontade para aproveitar cada minuto dessa doideira
que é a vida? E não me venham com esse papo de que o capitalismo é o culpado de
tudo, que a correria nos consome, que nossas ações são regradas pelo Tio Sam e
todo esse blá blá blá (até porque muitos de vocês nem sabem o que é a vida de
gente grande de verdade, não é?). Desde que o mundo é mundo absorvemos
responsabilidades, sejam elas quais forem, e fugir disso é covardia, é tocar o
fardo adiante. Estejamos no sistema que for, nossa vida faz parte da
engrenagem, e isso cansa. E cada um sabe como faz -e o que faz- para descansar. Um bom vinho,
um disco, uma grande refeição, um livro. Futebol, minissérie, novela. Xadrez,
academia, tiro ao alvo. Sexo, briga, cigarro. Qualquer uma das opções pode servir,
isso depende de como manejamos o leme da própria jornada. E não há nada de melhor
ou pior em cada uma das possibilidades citadas. O problema é quando o excesso
entra no jogo. Tudo que é realizado com parcimônia e consciência não traduz mal
algum. E toda essa baboseira tem apenas um intuito: pedir, encarecidamente, que
me deixem ver a minha novela! Eu gosto de um pão-e-circo quando chego exausta
em casa. Meu banho, meu chá, uma boleta e novela das nove. Depois, canções
agradáveis e quem sabe mais algumas páginas do livro do momento. Decidi
enfrentar o On The Road em alemão, até comprei mais uma versão em português
para ver se me auxilia na empreitada. Mas não penso que isso me torna melhor nem
pior do que alguém que seguiu vendo a novela do próximo horário. Se você nasceu um escolhido que apenas vivencia o
universo do sofisticado, do alto-padrão, do erudito, do refinado, parabéns,
campeão! Eu não me envergonho de ser uma mescla de farofa com champignon. Faço o
que faço por que gosto, não por que a sociedade intelectualizada do Facebook
pensa que deve ser. Do mesmo modo que admito que adoro uma soap opera, não vejo nada de exultante em ler um livro “da cena”. Apenas tenho sorte por ter desenvolvido o gosto pela leitura, uma atividade tão
cheia de prazer, e é isso que tento levar aos pequenos. Se minha afilhada hoje
adora um gibi (ela só tem oito anos, vamos devagar com o andor) é porque ela teve
a liberdade de escolher e aprender a gostar de ler, sem pressão, e com tempo
livre para as bobagens simplórias e medianas do dia a dia. Se ela me dissesse
que não curtiu a ideia, eu aceitaria. Tentaria mais vezes, é bem verdade, pois
todos aqui sabemos as vantagens do universo da literatura, mas não surtaria se
a negativa persistisse. Conheço pessoas que leram centenas de obras e são uma
página vazia, ao mesmo passo que a pessoa mais sábia que conheço, meu vovô
querido, nunca leu sequer a Bíblia Sagrada. Quem sabe se a galera cult pegasse
mais leve não aprenderia um pouco mais? Resumo na Wikipedia até vovó sabe
procurar. Querem um conselho, mesmo sem pedir? Façam o que vocês tem vontade.
Leiam, assistam, dancem, corram, gritem. Mas façam porque vocês querem. Viver
de aparências é um saco.
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