segunda-feira, 16 de julho de 2012

Me deixem ver a minha novela.


Há tempos penso em escrever sobre isso, e hoje tive o insight que faltava. Dedico boa parte do meu tempo livre para escrever. Sempre tive o apreço pelas letras, tanto as que vejo como as que despejo. Devo isso aos livros, sempre companheiros em uma estrada infiel. Li, leio e lerei muito ainda, isso é certo, e procuro sempre que possível incentivar isso nos pequenos. A noite em que minha afilhada deitou ao meu lado na cama para decifrarmos juntas –ao som de Neil Young, que ela adorou!- um livreto primário, me senti mais gente, mas humana, mas cumpridora do meu dever como ser social. No entanto, quando ela me convidou, na manhã seguinte, para assistir desenho animado, eu fui. E dei muita risada. Faz parte da construção da mente infantil a presença do lúdico. É saudável, desde que na medida certa. Luyza, com oito anos, se interessa por boa música, leitura e desenho animado. Com os adultos não é diferente, ou pelo menos não deveria ser. Nossa arrogância e hipocrisia nos leva a um desvio grave nesse caminho. Ao invés de perdermos tempo com o que realmente gostamos, passamos a nos esconder atrás da cortina defumaça do politicamente correto. Trabalhamos, estudamos, temos um sem-fim de responsabilidades, nos mantemos atentos, pagamos as contas, vamos ao supermercado, levamos os filhos à escola, cozemos, lavamos, corremos, dirigimos, choramos, argumentamos, pechinchamos. Pelo menos uma das ações acima você, que lê agora, desempenhou no dia de hoje. Muitos de nós cumprimos o setlist completo. Chegamos ao cerne da questão: depois de um ciclo de tantos pormenores, depois de nos arremessarmos para o interior de uma vida repleta de elementos bizarros e desencontrados, não teremos o direito de desopilar? Não deveríamos fazer o que temos vontade para aproveitar cada minuto dessa doideira que é a vida? E não me venham com esse papo de que o capitalismo é o culpado de tudo, que a correria nos consome, que nossas ações são regradas pelo Tio Sam e todo esse blá blá blá (até porque muitos de vocês nem sabem o que é a vida de gente grande de verdade, não é?). Desde que o mundo é mundo absorvemos responsabilidades, sejam elas quais forem, e fugir disso é covardia, é tocar o fardo adiante. Estejamos no sistema que for, nossa vida faz parte da engrenagem, e isso cansa. E cada um sabe como faz -e o que faz- para descansar. Um bom vinho, um disco, uma grande refeição, um livro. Futebol, minissérie, novela. Xadrez, academia, tiro ao alvo. Sexo, briga, cigarro. Qualquer uma das opções pode servir, isso depende de como manejamos o leme da própria jornada. E não há nada de melhor ou pior em cada uma das possibilidades citadas. O problema é quando o excesso entra no jogo. Tudo que é realizado com parcimônia e consciência não traduz mal algum. E toda essa baboseira tem apenas um intuito: pedir, encarecidamente, que me deixem ver a minha novela! Eu gosto de um pão-e-circo quando chego exausta em casa. Meu banho, meu chá, uma boleta e novela das nove. Depois, canções agradáveis e quem sabe mais algumas páginas do livro do momento. Decidi enfrentar o On The Road em alemão, até comprei mais uma versão em português para ver se me auxilia na empreitada. Mas não penso que isso me torna melhor nem pior do que alguém que seguiu vendo a novela do próximo horário. Se você nasceu um escolhido que apenas vivencia o universo do sofisticado, do alto-padrão, do erudito, do refinado, parabéns, campeão! Eu não me envergonho de ser uma mescla de farofa com champignon. Faço o que faço por que gosto, não por que a sociedade intelectualizada do Facebook pensa que deve ser. Do mesmo modo que admito que adoro uma soap opera, não vejo nada de exultante em ler um livro “da cena”. Apenas tenho sorte por ter desenvolvido o gosto pela leitura, uma atividade tão cheia de prazer, e é isso que tento levar aos pequenos. Se minha afilhada hoje adora um gibi (ela só tem oito anos, vamos devagar com o andor) é porque ela teve a liberdade de escolher e aprender a gostar de ler, sem pressão, e com tempo livre para as bobagens simplórias e medianas do dia a dia. Se ela me dissesse que não curtiu a ideia, eu aceitaria. Tentaria mais vezes, é bem verdade, pois todos aqui sabemos as vantagens do universo da literatura, mas não surtaria se a negativa persistisse. Conheço pessoas que leram centenas de obras e são uma página vazia, ao mesmo passo que a pessoa mais sábia que conheço, meu vovô querido, nunca leu sequer a Bíblia Sagrada. Quem sabe se a galera cult pegasse mais leve não aprenderia um pouco mais? Resumo na Wikipedia até vovó sabe procurar. Querem um conselho, mesmo sem pedir? Façam o que vocês tem vontade. Leiam, assistam, dancem, corram, gritem. Mas façam porque vocês querem. Viver de aparências é um saco. 

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