sábado, 24 de novembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Medo

Às vezes tenho medo do novo. Muito medo. Tenho medo de ler coisas novas, ouvir músicas desconhecidas, conhecer pessoas, comer, beber, tocar, sentir coisas nunca dantes desbravadas. Eu tenho um temor absurdo de perceber que tudo que me cerca na verdade não é metade daquilo que poderia ser. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A camisa do meu amor

Ficou aqui em casa, atirada, esperando ser lavada. Tentei tomar cuidado, deixar a água correr calma, fazer o sabão remover as ranhuras do tecido como se fosse meu-teu coração. Da mesma forma que nós, não deu muito certo. Torceu-se ao revés, perdeu brilho e cor, amarrotou ao vento norte. A camisa do meu quase-amor desbotou como minhas lágrimas vespertinas. Dobrei sem muita convicção e guardei no fundo do armário, para nunca mais olhar. O estranho é que, da mesma forma que meus olhos não conseguem desviar da tua face, a camisa da discórdia teimava em saltar a meus olhos sempre que abria a porta do guarda-roupas. Uma insistência que agia à revelia da realidade. Dia desses, já mais calma da tempestade que se abateu, decidi -até agora não sei se por vontade, por necessidade ou por tamanha falta de pijamas limpos- usa-la após o banho. A camisa limpa no corpo limpo numa vida suja. Esperando o cheiro do sabão em pó consegui apenas aspirar o olor do teu corpo. Esse costume de não usar perfume artificial banha tuas vestes com o cheiro perturbador do teu eu. Um cheiro forte, penetrante, áspero e intenso. Fragrância de fazer bater mais forte a alma de quem o sente. Depois daquela noite, não tirei mais a camisa. Todos os dias espero ávida pela hora do banho para vestir uma parte de ti que ninguém pode tirar de mim. Um trapo roto, sem valor, que faz minha pele sentir-se mais perto da tua. Um devaneio quase infantil, uma demência senil, coisa de quem relembra um morto em vida. E esse cheiro que me desnorteia, além de estar gravado em mim, prendeu-se em tudo a volta: travesseiro, cobertores, colchão, fronhas, sala, quarto, sacada. Teu cheiro prendeu meus cabelos para o alto e arranhou os discos na estante. Fez voar a poeira dos cantos e soltou o carpete. Balançou as cortinas imaginárias e quebrou as persianas. O odor da tua vida impregnou cada parte do que me norteia. De manhã, quando desperto e visto meus próprios trapos, dobro com cuidado a camisa do meu amor. Guardo entre os dois travesseiros torcendo para que o oxigênio não desfaça minha mágica. Quando chego em casa, até disfarço. Vou cozer os alimentos, tirar o fardamento, jogar conversa ao léu. Mas não demora, fico tensa. Não tarda, vou correndo. Ajoelho diante do colchão, e com as mãos de criança que esconde doces na caixa de brinquedos, descubro meu tesouro. Num misto de desejo e temor, a constatação: ainda está lá. O cheiro doce da camisa do meu amor.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Meu nome não é Amanda

Nem Fernanda. Meu café sempre deixo pela metade, morno. As paixões, vivazes e efêmeras. Sou metade homem, metade mulher. Tento, mas não consigo cultivar a virtude da paciência. Por falar em virtudes, tenho poucas. Espiritualidade, quase nula. In-voluída. Um ser sem piedade pronto para explodir a cada cinco minutos. Sem paciência, ofendo e afago. A pele, branca demais. Os ossos, muito rentes à pele. Os olhos, fracos, de cor indecisa como a carcaça que os carrega. Nublados, se esverdeiam. Ensolarados, refletem o azul do firmamento. No centro, o amarelo, também visto no sorriso. Os pés símios e as mãos de pianista frustrada. Dentes fracos, quebrados, remendados. Pulmão pela metade, estômago dobrado, fígado preparado e um coração embrutecido. Unhas encravadas, quebradiças, mal feitas. Palavras sempre em excesso, sem reflexão. Testa e imaginação gigantes. Racionalidade e lábios pequenos. Procuro a verdade e a paz em todos os lugares, mas desisto da busca em poucos atos. Represento cada dia como se as horas fossem meu teatro e o mundo a volta uma plateia desatenta. Calos nos pés, nas mãos, na alma. Um corpo quente que sente frio. Ojeriza ao calor. Verão, só se for no hemisfério norte. Nos poucos amigos, a confiança cega. Nos muitos desafetos, o espelho das próprias atitudes. Não gosto de exercícios, no máximo sexo. Caminhar, só o estritamente necessário. Jornalista convicta. Ervilhas poderiam deixar de existir. Descontente por natureza, nunca-satisfeita nata. Sonho em rodar o mundo de mochila, mas troco os planos pelo conforto do chá-no-sofá-do-confortável-apartamento-no-centro. De todas as desistências, uma permanência: a capacidade de amar e perdoar. 

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Apaixonou-se mais uma vez. Na sala dos discos e dos livros, viveu a melhor das sextas-feiras. Envolta na bruma de um quase-amor deixou rolar a lágrima derradeira de quem pensa que encontrou seu lugar no mundo. Ao som de um alguém póstumo, fez daquela a sua morada. Pelo menos por aquelas horas.

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Penso que o amor é como uma grande tempestade. Por vezes ficamos tão embasbacados na beleza dos raios e dos trovões que esquecemos de tirar nosso corpo do caminho.  Deixamos de perceber que a magnitude do firmamento em negrume invariavelmente vai se transformar em destruição. E o ponto de impacto somos nós mesmos. O estrago que a tormenta deixa não vale a beleza do céu riscado. 

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De toda sorte, ela ainda está contigo. E até que alguém venha e a tire disso - e pode ser bem rápido, afinal, é volúvel e volátil - vai continuar estando.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Nublado


Tem dias em que simplesmente bate aquele bad mood. Não tem como lutar contra. Por mais que você tenha passado uma noite maravilhosa aninhada nos lençóis do seu amor, ainda que o almoço tenha sido farto e saboroso, mesmo que os amigos tenham lhe feito rir incessantemente, tem aquela hora do dia em que a casa cai. A pá vira. Aliás, eu nunca entendi a expressão “da pá virada”, sempre me remeteu à imagem de um coveiro, mas deixemos isso pra lá. A questão é que eu virei, revirei e torci a pá sem quê nem por quê. Simples como a lágrima que cai, perdemos as estribeiras e tombamos num precipício soturno de melancolia. Patético. Chego à analogia do banho: esses dias comprei um xampu e um condicionador, ambos com a embalagem idêntica. Nesses casos, normalmente, eu sempre pego um frasco pensando ser o outro, um reflexo idiota de Lei de Murphy. Noite dessas, cheia de alegria, pensei nisso e apostei comigo mesma:  “quer ver que hoje vou pegar o xampu primeiro?” Dito e feito! Tudo ia bem, e eu consegui estabelecer a ordem correta e lógica das coisas. Hoje, nesse mau humor do cão, fui ao banho e pensei: quer ver que hoje pego o condicionador? Bingo! A analogia do chuveiro vai me seguir pra sempre a partir de hoje. Dia feliz, xampu. Dia triste, condicionador. Essa lorota toda começou por uma frase que me caiu nos pensamentos voltando para casa: “meu coração naufragado nas mágoas do passado.” Não sei bem o motivo, mas essas palavras vestiram minha carapaça hoje. Um turbilhão de pensamentos mesclados e histéricos brigando pra voarem boca afora. Às vezes é difícil segurar o que se passa dentro da nossa carne. Conter os ímpetos quase animalescos que nos tomam é um fardo pesado em demasia. Fardo. Eu preciso me livrar do fardo. Tenho que apunhalar meus próprios fantasmas e prendê-los na sepultura do passado. Tirar os quadros da parede. Queimar as imagens do que se foi. Fazer poeira das dores que já secaram e regar as flores do novo jardim. Quando a primavera chegar, todas as cores do universo vão iluminar meu sorriso de boneca de cera. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Me deixem ver a minha novela.


Há tempos penso em escrever sobre isso, e hoje tive o insight que faltava. Dedico boa parte do meu tempo livre para escrever. Sempre tive o apreço pelas letras, tanto as que vejo como as que despejo. Devo isso aos livros, sempre companheiros em uma estrada infiel. Li, leio e lerei muito ainda, isso é certo, e procuro sempre que possível incentivar isso nos pequenos. A noite em que minha afilhada deitou ao meu lado na cama para decifrarmos juntas –ao som de Neil Young, que ela adorou!- um livreto primário, me senti mais gente, mas humana, mas cumpridora do meu dever como ser social. No entanto, quando ela me convidou, na manhã seguinte, para assistir desenho animado, eu fui. E dei muita risada. Faz parte da construção da mente infantil a presença do lúdico. É saudável, desde que na medida certa. Luyza, com oito anos, se interessa por boa música, leitura e desenho animado. Com os adultos não é diferente, ou pelo menos não deveria ser. Nossa arrogância e hipocrisia nos leva a um desvio grave nesse caminho. Ao invés de perdermos tempo com o que realmente gostamos, passamos a nos esconder atrás da cortina defumaça do politicamente correto. Trabalhamos, estudamos, temos um sem-fim de responsabilidades, nos mantemos atentos, pagamos as contas, vamos ao supermercado, levamos os filhos à escola, cozemos, lavamos, corremos, dirigimos, choramos, argumentamos, pechinchamos. Pelo menos uma das ações acima você, que lê agora, desempenhou no dia de hoje. Muitos de nós cumprimos o setlist completo. Chegamos ao cerne da questão: depois de um ciclo de tantos pormenores, depois de nos arremessarmos para o interior de uma vida repleta de elementos bizarros e desencontrados, não teremos o direito de desopilar? Não deveríamos fazer o que temos vontade para aproveitar cada minuto dessa doideira que é a vida? E não me venham com esse papo de que o capitalismo é o culpado de tudo, que a correria nos consome, que nossas ações são regradas pelo Tio Sam e todo esse blá blá blá (até porque muitos de vocês nem sabem o que é a vida de gente grande de verdade, não é?). Desde que o mundo é mundo absorvemos responsabilidades, sejam elas quais forem, e fugir disso é covardia, é tocar o fardo adiante. Estejamos no sistema que for, nossa vida faz parte da engrenagem, e isso cansa. E cada um sabe como faz -e o que faz- para descansar. Um bom vinho, um disco, uma grande refeição, um livro. Futebol, minissérie, novela. Xadrez, academia, tiro ao alvo. Sexo, briga, cigarro. Qualquer uma das opções pode servir, isso depende de como manejamos o leme da própria jornada. E não há nada de melhor ou pior em cada uma das possibilidades citadas. O problema é quando o excesso entra no jogo. Tudo que é realizado com parcimônia e consciência não traduz mal algum. E toda essa baboseira tem apenas um intuito: pedir, encarecidamente, que me deixem ver a minha novela! Eu gosto de um pão-e-circo quando chego exausta em casa. Meu banho, meu chá, uma boleta e novela das nove. Depois, canções agradáveis e quem sabe mais algumas páginas do livro do momento. Decidi enfrentar o On The Road em alemão, até comprei mais uma versão em português para ver se me auxilia na empreitada. Mas não penso que isso me torna melhor nem pior do que alguém que seguiu vendo a novela do próximo horário. Se você nasceu um escolhido que apenas vivencia o universo do sofisticado, do alto-padrão, do erudito, do refinado, parabéns, campeão! Eu não me envergonho de ser uma mescla de farofa com champignon. Faço o que faço por que gosto, não por que a sociedade intelectualizada do Facebook pensa que deve ser. Do mesmo modo que admito que adoro uma soap opera, não vejo nada de exultante em ler um livro “da cena”. Apenas tenho sorte por ter desenvolvido o gosto pela leitura, uma atividade tão cheia de prazer, e é isso que tento levar aos pequenos. Se minha afilhada hoje adora um gibi (ela só tem oito anos, vamos devagar com o andor) é porque ela teve a liberdade de escolher e aprender a gostar de ler, sem pressão, e com tempo livre para as bobagens simplórias e medianas do dia a dia. Se ela me dissesse que não curtiu a ideia, eu aceitaria. Tentaria mais vezes, é bem verdade, pois todos aqui sabemos as vantagens do universo da literatura, mas não surtaria se a negativa persistisse. Conheço pessoas que leram centenas de obras e são uma página vazia, ao mesmo passo que a pessoa mais sábia que conheço, meu vovô querido, nunca leu sequer a Bíblia Sagrada. Quem sabe se a galera cult pegasse mais leve não aprenderia um pouco mais? Resumo na Wikipedia até vovó sabe procurar. Querem um conselho, mesmo sem pedir? Façam o que vocês tem vontade. Leiam, assistam, dancem, corram, gritem. Mas façam porque vocês querem. Viver de aparências é um saco. 

sábado, 14 de julho de 2012

Primeiras vezes

A primeira vez que se faz algo sempre é especial. Consigo lembrar como se fosse presente o dia em que meu avô soltou a garupa da bicicleta e eu segui sozinha pelo pátio. Era setembro e eu devia ter oito anos. Nunca aceitei as rodas de apoio, preferia sempre a mão do pai ou do vovô Osmar. Também lembro do primeiro dia de aula na cidade grande. O medo, o vexame, a expectativa. Tudo diferente, tudo grande, tudo e todos. A primeira vez que voei, que beijei, que chorei por alguém do sexo oposto, que tomei um fogo de rastejar no chão, que perdi um amigo para sempre, que perdi alguém da família para sempre, que perdi um amor para sempre, que perdi a virgindade, que perdi a vergonha, que perdi o caminho. A primeira vez sempre fica marcada no coração de quem a vive.

Primeira briga. Primeira discussão. Olhando agora, bem de longe, nem parecia algo tão derradeiro e crucial, mas naquela hora foi o rompante do destino da humanidade. Brotou como uma lágrima no olho de uma criança. Tinha de sair. Precisava ser desse jeito, para percebermos que nem tudo na vida é esse sorriso que se aconchega na minha boca toda vez que tu encostas nela. Precisamos alterar o tom para entonar, logo mais, a canção perfeita de quem se gosta, se precisa, se necessita. Eu gosto de ti. Com meu gosto mediano, minha compreensão medíocre, com minha vida mais ou menos. Mas eu sinto. E como. Nunca pensei que minhas palavras fossem mudar de destinatário tão rápido, tão forte, tão de repente, tão pra sempre. A vida me sacudiu de ponta cabeça e me jogou contra teu peito. E é nele que encontro minha tábua de salvação. Eu estou contigo, tu estás comigo. É assim que tem que ser. Pela primeira vez (mesmo) eu acho que nunca vai acabar.

Já está três-quartos morto quem nega a vida.