domingo, 10 de junho de 2012

Mais uma de amor V

O simples fato de saber que ele estaria dentro daquele lugar já a fazia feliz. Estava, como sempre, amparada pela calidez daquele sentir que ultrapassava as barreiras do egoísmo e da paixão. Mais uma vez, queria apenas gozar da sua presença. O frio cortava a noite de junho em duas metades desiguais. A mala, recheada de roupas sujas e um bocado de dúvidas. Quando o ônibus chega à plataforma de embarque a primeira coisa familiar que ela percebe são os olhos quase sonolentos daquele que a faz sorrir sem temer. O coração não se descompassa, os passos não se perdem. É apenas a certeza de que mais uma vez a presença física de Joãozinho vai lhe fazer bem. Quem sabe espantar os fantasmas que congelaram junto com os últimos dias na morada das suas ideias? O corredor lotado de desconhecidos, os bancos ocupados pelos que não-ela. Busca assento logo atrás dele, novamente sem angústia ou torpor. Pena o lugar ao lado não estar vago. Bem, aproveitemos para divagar. "O que anda acontecendo de bom e de ruim na minha vida? Muitas coisas. O que posso fazer para melh... espere! O que esse cara aí do lado está fazendo no notebook?" Instantaneamente seus olhos e pensamentos passam para a tela do vizinho e seguem a invadir a privacidade nem tão resguardada assim do passageiro alheio. Fotos, canções, textos de paixão. Um rapaz que declara seu amor por outro. Leu, intrusa, boa parte da história. Identificou-se, em algumas partes. Principalmente na metade em que um se expõe em virtude e em entrega ao outro. Ela, agora, sabe o que aquele estranho sente por um segundo desconhecido. Ele nem atina que ela existe. Ambos não sabem seus nomes. E é nesse instante que o objeto dos seus desejos se ergue do assento e caminha em direção ao banheiro. Primeiro, passa quase trôpego. No retorno, consegue encarar seus olhos castanho-amendoados. Como de costume, vira criança a traquinar perto da presença dele. O cheiro, o toque, a mão. Quando inerte, próximo a ela, sente disparar uma endorfina excessiva e um calor que não é desse mundo. É uma coisa quase animal que a faz lhe querer. É algo demasiado humano que a faz o desejar. Na escuridão de uma quase-chegada prende seus lábios nos  dele com a sutileza de quem guarda um segredo. O gosto de inverno da sua barba a faz sentir pulsar as pontas dos dedos. O cheiro do seu beijo a deixa suspirando devaneios febris. Tchau, nós nos falamos. Nós conversamos. Nós. Eu, tu, nossas vidas desencontradas a bailar por entre caminhos que insistem em se chocar. Que isso nunca mude, e que o teu cabelo siga com o aroma das tardes de primavera.

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