Hoje
pouco sobrou daquele que era o reflexo perfeito do meu sorrir. Entre tropeços
forjados e olhares forçados separamos nossos passos e nossos compassos. Não sei
por onde andas, o que fazes, com quem deliras. Amei e desamei desajeitadamente
tantas vezes nesse tempo que já nem sei mais se é a maturidade chegando ou a
descrença de que algo possa se assemelhar com o que tivemos. Já faz quase dez
anos. É tanto tempo que não consigo mensurar. Cento e vinte meses desde que da
vez primeira deitei meus olhos nos teus. Em frente à casa do deus dos
descrentes, ao som desafinado dos despreocupados. Teu olho, tua voz, o toque da
tua mão na minha pele. Soube, desde o primeiro instante, que eras tu. Nem
devaneio adolescente, tampouco paixão fugaz. Era o amor batendo da forma mais
sublime e devastadora na porta duma alma que não sabia o que era aquilo, apenas
tomava conhecimento de que tinha de ser, e de que era bom. Tomaste meus ares e
teus foram meus dias durante anos. Pena foi a incoerência de uma mente ainda
infantil quando tu já tão maduro me mostrava o caminho a seguir. Deveria ter
fugido contigo para a Índia. Te lembras desses planos? Não esqueço um instante
sequer. De quando nossos olhos e mãos dançavam o acasalamento de um sentir que
de tão puro chegava às raias do ridículo e do doentio. Ninguém entendia,
ninguém entenderia. Era amor demais. E eu pequena. Diminuta de corpo e de
espírito. Machuquei tudo em ti como uma avalanche devasta os vales. Arrastei
comigo tua dignidade e teu carinho. Destruí por egoísmo, por medo e por vaidade
a história feérica que construíamos. Teríamos sido Ísis e Osíris, sem dúvida. O
fomos, e ainda o somos. Quando penso que já transpus a dor que me consome
quando penso no mal que te causei, venho a Paraíso. Descansar o corpo e
martirizar a alma. Penso que todos os malogros nos quais minha vida foi
derramada depois de ti são o castigo merecido por ter te causado tanto mal. Ao
menos prefiro pensar assim. Uma forma de compensação, já que me falta a coragem
para dizer tudo isso face a face. Meu irmão de sangue. Meu irmão de alma. Minha
metade perdida. Meu diamante de luz. “Tu nasceu pra ser mulher de médico,
Ananda. Escreve o que tou te
dizendo!” Essas palavras, ditas ao som do vento norte, na esquina das
desventuras, me consome até hoje o pensamento. Creio que na estupidez medíocre
de uma semi-adulta cogitei um futuro semelhante ao teu sortilégio. Hoje vejo
que só o amor é capaz de salvar a vida de gente como eu no meio desse devaneio
constante em que vivemos. Só o amor pode levar paz e clareza para o coração de
quem vive em meio à ganância, ao vício, ao redundante. Nessa noite fria de
maio, quase adentrando as portas de junho, compreendo cada palavra dita pela
tua boca durante tanto tempo. Queria poder voltar e “viajar no espaço, no
conforto de um simples abraço”. Gostaria de te conhecer neste minuto, como se
nada nunca antes houvesse ocorrido. Te encontrar, enfastiada, na saída de uma
noite sem grandes perspectivas. Tocar de retorno a ponta do teu cabelo com o
canto do meu lábio, e sair com o revoar das borboletas em meu estômago rua
afora. O traçado do teu rosto, no entanto, vai se perdendo dentro da minha
memória. Quando te vejo, num raro relance ocasionado pelo acaso, não reconheço
mais meu raio de sol. Tenho medo de ser a única culpada por ter calejado teu
sorriso. Me fere saber que não pude ver nascer tua primeira ruga. Dói não poder
compartilhar contigo cada pequena vitória. Estanca minha respiração não mais
ouvir teus acordes. Quem sabe se hoje, mais maduros e mais tolerantes, não
seríamos Jim e Pam? Por mais absurdo que pareça, eu ainda sonho com isso, mesmo
sabendo que o tempo já passou pra nós. N.e.o.q.e.a.v.
Nenhum comentário:
Postar um comentário