domingo, 3 de junho de 2012

Do rosto que se vai (Mais uma de amor IV)


Hoje pouco sobrou daquele que era o reflexo perfeito do meu sorrir. Entre tropeços forjados e olhares forçados separamos nossos passos e nossos compassos. Não sei por onde andas, o que fazes, com quem deliras. Amei e desamei desajeitadamente tantas vezes nesse tempo que já nem sei mais se é a maturidade chegando ou a descrença de que algo possa se assemelhar com o que tivemos. Já faz quase dez anos. É tanto tempo que não consigo mensurar. Cento e vinte meses desde que da vez primeira deitei meus olhos nos teus. Em frente à casa do deus dos descrentes, ao som desafinado dos despreocupados. Teu olho, tua voz, o toque da tua mão na minha pele. Soube, desde o primeiro instante, que eras tu. Nem devaneio adolescente, tampouco paixão fugaz. Era o amor batendo da forma mais sublime e devastadora na porta duma alma que não sabia o que era aquilo, apenas tomava conhecimento de que tinha de ser, e de que era bom. Tomaste meus ares e teus foram meus dias durante anos. Pena foi a incoerência de uma mente ainda infantil quando tu já tão maduro me mostrava o caminho a seguir. Deveria ter fugido contigo para a Índia. Te lembras desses planos? Não esqueço um instante sequer. De quando nossos olhos e mãos dançavam o acasalamento de um sentir que de tão puro chegava às raias do ridículo e do doentio. Ninguém entendia, ninguém entenderia. Era amor demais. E eu pequena. Diminuta de corpo e de espírito. Machuquei tudo em ti como uma avalanche devasta os vales. Arrastei comigo tua dignidade e teu carinho. Destruí por egoísmo, por medo e por vaidade a história feérica que construíamos. Teríamos sido Ísis e Osíris, sem dúvida. O fomos, e ainda o somos. Quando penso que já transpus a dor que me consome quando penso no mal que te causei, venho a Paraíso. Descansar o corpo e martirizar a alma. Penso que todos os malogros nos quais minha vida foi derramada depois de ti são o castigo merecido por ter te causado tanto mal. Ao menos prefiro pensar assim. Uma forma de compensação, já que me falta a coragem para dizer tudo isso face a face. Meu irmão de sangue. Meu irmão de alma. Minha metade perdida. Meu diamante de luz. “Tu nasceu pra ser mulher de médico, Ananda. Escreve o que tou te dizendo!” Essas palavras, ditas ao som do vento norte, na esquina das desventuras, me consome até hoje o pensamento. Creio que na estupidez medíocre de uma semi-adulta cogitei um futuro semelhante ao teu sortilégio. Hoje vejo que só o amor é capaz de salvar a vida de gente como eu no meio desse devaneio constante em que vivemos. Só o amor pode levar paz e clareza para o coração de quem vive em meio à ganância, ao vício, ao redundante. Nessa noite fria de maio, quase adentrando as portas de junho, compreendo cada palavra dita pela tua boca durante tanto tempo. Queria poder voltar e “viajar no espaço, no conforto de um simples abraço”. Gostaria de te conhecer neste minuto, como se nada nunca antes houvesse ocorrido. Te encontrar, enfastiada, na saída de uma noite sem grandes perspectivas. Tocar de retorno a ponta do teu cabelo com o canto do meu lábio, e sair com o revoar das borboletas em meu estômago rua afora. O traçado do teu rosto, no entanto, vai se perdendo dentro da minha memória. Quando te vejo, num raro relance ocasionado pelo acaso, não reconheço mais meu raio de sol. Tenho medo de ser a única culpada por ter calejado teu sorriso. Me fere saber que não pude ver nascer tua primeira ruga. Dói não poder compartilhar contigo cada pequena vitória. Estanca minha respiração não mais ouvir teus acordes. Quem sabe se hoje, mais maduros e mais tolerantes, não seríamos Jim e Pam? Por mais absurdo que pareça, eu ainda sonho com isso, mesmo sabendo que o tempo já passou pra nós. N.e.o.q.e.a.v.

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