terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O banco

Era um daqueles dias em que o frio se mistura com o verde-musgo da paisagem. O inverno, com suas intempéries cotidianas, já ia se despedindo após três meses de labuta intensa, e naquela manhã estranha as nuvens se mesclavam com os raios de sol que insistiam em brotar ao longe. O vento batia nos lábios desde sempre pequeninos. Acordara cedo e quedou-se desinquieta a fazer passar os minutos de longos segundos. O coração batia no tique-taque do relógio imaginário que contava círculos doloridos. Nunca despertava tão cedo. Seria a primavera raiando? Com os pés saltitantes, correu da sala para o quarto, do quarto para a cozinha, da cozinha para os devaneios. Sete e cinco. Cedo. Muito cedo. Será que a deixariam partir tão repentina? Decerto que não, haveriam de detê-la com argumentos mais táteis do que a contra-proposta que ruminava dentro de si. Pensa, repensa. Teria de bolar uma estratégia. Fugir. Estúpido. Argumentar. Mais ainda. As mãos em forma de medusas retorcem o ar quente-frio daquelas paragens. O verde dos olhos pede apoio às árvores que cercam o jardim. Precisa sair. Precisa. Toma coragem. Vai. Pede. Treme inteira, por dentro e por fora, aguardando pela negativa certeira. "Vai." Não pode acreditar no que acabara de ouvir. Lançaram-lhe a graça maior. Estava livre! Estava senhora de suas pegadas! Passa mão na mochila e desce a rua de pedras soltas no compasso frenético o qual embalava suas ideias. O caminho era curto, pouco mais do que o espaço equivalente a uma quadra de grandes cidades. Na sua jornada, poucas são as pulsações de vida que lhe transpassam o andar. Um cão, um gato, um senhor de olhar perdido. O coração acelera, o suor vai lhe alfinetando as palmas das mãos. Chega. O portão. O chiar rouco de uma maçaneta senil, corroída pela ferrugem do tempo e dos homens. Com cuidado certifica-se de que ninguém a seguira. Da esquerda para a direita, passa o olhar pelo entorno: ninguém! Ao fundo, as duas edificações centrais. À esquerda, uma simbólica capela católica, avizinhada por um parque de brinquedos pouco confiável. Recorda do dia em que pela vez primeira embalara suas maldições naquele espaço. A árvore, a cerca caída, os animais pastando. O prédio novo, a "brizoleta" antiga. Os tons de bege e verde tomam conta do lugar. As salas onde diferentes idades, tamanhos e saberes se mesclam na busca pelo amanhã aguardam o despertar de mais um ciclo. Os mastros das bandeiras teimam em caiar de cinza a lateral direita de quem entra. Tudo isso passa no raio de um segundo por sua mente. Firma os passos, aperta a bagagem, foca seu grande objetivo: estão lá! Um ao lado do outro, de um amarelo desbotado, velam as pilastras brancas e o chão de cimento ornamentado com riscos de giz. A tinta solta-se rebelde, como a gritar por socorro. Os passos miúdos tomam cada vez mais confiança, e a certeza perpassa pelo brilho dos olhos dela. Naquele dia, não haveria tristeza. Naquela hora, tornara-se dona do tempo e da verdade. Nesta quinta-feira, caísse o céu ou o sol sobre os homens, ela cumprira sua missão.

Naquela manhã de setembro, ela e seus longos oito anos de idade iriam escolher o banco onde as meninas iriam aguardar o início da aula. E ninguém viria atrapalhar. E não veio.

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