domingo, 1 de julho de 2012

Marcha Fúnebre

Reportagem para o quadro "Relíquias da Casa Velha", do programa Na Boca do Monte, parte integrante do projeto rádio-escola da UFSM, sob a coordenação do professor Paulo Roberto Araújo, no ano de 2009. 


Pensar na última morada terrena faz tremer os joelhos até dos mais corajosos entre os homens. Morrer, a certeza única, não faz parte dos planos mortais, a despeito da denominação óbvia. Ainda que finjamos displicência em relação à funesta viagem, não podemos fugir de suas aparições. Os cemitérios fazem parte do conjunto de elementos que constroem a partida derradeira na maior parte da sociedade ocidental, e é com esta temática que o "Relíquias da Casa Velha" vai ao ar esta semana.


A cidade de Santa Maria possui sete moradas fúnebres, a maior delas localizada à Avenida Liberdade, número 54. O Cemitério Ecumênico Municipal foi fundado no final do século XIX, não havendo data precisa para o primeiro sepultamento. As distinções sócio-econômicas são gritantes, como em qualquer segmento componente de nossa estrutura social. Ao passo que contamos com a presença de ilustres defuntos, como no caso do professor José Mariano da Rocha, fundador da Universidade Federal de Santa Maria, com seu semblante de cobre e sudário de mármore, verificamos a presença de inúmeros Joãos, Marias, Josés e Luisas, reduzidos a um espaço claustrofóbico demarcado com a dificuldade calejada do sofrimento, assim na vida como na morte. Com sorte, não pararão em ossários coletivos após o término do período mínimo previsto para sua permanência na morada eterna nem tão certa assim. Combatentes que escaparam da expiração durante a Segunda Grande Guerra também dividem o espaço, repousando solenemente em local de destaque, bem longe daquele front, para sua segurança - ou do que restou dela.


O Cemitério Municipal, como é conhecido, conta também com seus mitos e suas lendas. A mais famosa dentre elas é a que concerne à santa popular Mariazinha Penna, a qual goza de uma coleção invejável de plaquetas por graças alcançadas. Há, no entanto, controvérsias sobre o caso da jovem. Afirmam alguns que tudo o que deseja a defunta é a parada dos depósitos de peso sobre seu jazigo, repleto de vasos, de flores e de pedidos. Afirmam estes anônimos que o que ela precisa é descansar, não aguentando a carga de tantas súplicas.


O inegável é que um passeio pelo Cemitério Ecumênico Municipal é uma aula interdisciplinar com direito a toda forma de interação, prato cheio para fotógrafos, antropólogos, sociólogos e arquitetos. Guarda relíquias velhas e novas, de uma casa que nada tem de morta, apesar das evidências. Tudo se move, tudo brilha na morada perpétua de uma Santa Mara que já foi. Negar a morte é duvidar da própria vida. E o Municipal é a prova de que se morre, sim, e se morre como se viveu. Santo, rico, pobre. Morte, morte, morte. És tão igual ao que temos que deve ser essa a mágoa que temos contigo. O Cemitério Ecumênico Municipal fica aberto à visitação livre todos os dias, das 8h às 17h. Após esse horário, apenas com bilhete especial, aquele, aquele mesmo, da sessão que ninguém quer assistir.


Nenhum comentário: